quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Sobre vidas negras, por Maynara Santana

Durante a audiência publica realizada na Terra Firme na noite do dia 19 de setembro, a jovem ativista negra Maynara Santana, estudante de nutrição e integrante do Coletivo de Juventude Negra do Cedenpa, fez a leitura de uma carta em que nela a jovem fala sobre o sentido de sua existência enquanto mulher negra, uma carta carregada de afeto e respeito por seus pares, jovens negros/as da periferia que existem e resistem diariamente.

Confira!

Foto: Paloma Melissa

Hoje pela manhã pensei no assunto que passeia sobre a minha existência: Extermínio da Juventude Negra. Estávamos eu e meu companheiro, falando sobre como a insegurança te priva de viver, conversávamos sobre o momento de agora, esta noite. Sobre a minha vivência enquanto mulher preta, vinte e cinco anos, com um pé para fora da universidade, dona do próprio negócio, cercada de privilégios, mas que também cresceu em uma periferia da cidade, e sabe qual é o papo desse lugar! E SABE! SABE ESTRUTURALMENTE FALANDO! Consegue se ler dentro dessa hierarquia de poder onde o Estado mata preto todo dia! Onde vidas negras são números, dígitos, alguns poucos deles, me refiro a valor. Mas o que é mesmo valor? Valor, dentro dessa sociedade capitalista é algo que eu quantifico! A Deusa Elza (Soares) é muito pontual quando canta: A carne mais barata do mercado é a carne negra! Enquanto escrevo isso sinto meus dedos pesarem de maneira que somente este tema faz pesar. Ouço meninos pretos conversando em minha cozinha. Um é bicha preta, afeminado, ousado! O Richard é um alvo gigante certeiro para essa sociedade que odeia e tem como doente uma pessoa que aceita amar quem Ela quiser. Que odeia, mais ainda, “bicha preta”, afeminada, e que sabe exatamente o valor que tem mesmo a sociedade lhe ridicularizando e silenciando suas vivências todos os dias.
O outro é um menino lindo, morador do Guamá. E quando eu falo da beleza do Black eu me permito falar sobre estética preta! O quanto é resistência, o quanto é demarcadora e representativa! é como se nós conseguíssemos ver a possibilidade do nosso sucesso no outro. Entendeu como é  importante ressaltarmos a beleza, não tão somente a beleza mas as qualidades dos nossos pares? Como é importante sentir-se pleno em uma sociedade que todos os dias nos diz que não existe beleza, criatividade, inteligência, engenhosidade em absolutamente nada que o povo escravizado da África trouxe para esse continente.
Imagina, se nós soubéssemos dos reinos, palácios, tecnologias, culturas e línguas criadas por africanos! Imagina se nós soubéssemos que África é um continente!? Rico em tudo! Estou falando de absolutamente tudo mesmo! África, berço do mundo! Continente que o homem branco europeu, na sua corrida para dominar o mundo, espoliou, traficou, desumanizou e transformou em mão de obra escrava num país do outro lado do mundo.
Imagina só, você do outro lado do mundo, objeto de homens soberbos que se acham (até hoje) donos do mundo inteiro, que não se importam em construir suas riquezas tendo como solo milhares de corpos e rios de sangue de homens, mulheres e crianças que durante séculos sofreram uma das piores  violações já submetidas à humanidade: A escravidão humana dos africanos!
O genocídio do jovem negro passa a ter um peso ainda maior quando visto do espectro da história não é mesmo? Soa como algo planejado, arquitetado, caso pronto, feito, crime perfeito orquestrado pelo maestro mais cruel de todos os tempos: O RACISMO!


Maynara Santana