terça-feira, 24 de outubro de 2017

Ferrovia Paraense S.A: atravessando territórios e direitos


Por Marinéia Ferreira*
Paloma Melissa **

Oficina de direitos territoriais e rádio comunitária

A mineradora Vale do Rio Doce, juntamente com o governador do estado, Simão Jatene formalizaram o processo de licitação da construção da Ferrovia Paraense S.A, em agosto deste ano sem nenhuma consulta prévia junto à sociedade civil. Além de destruir a Amazônia e dizimar as populações de comunidades tradicionais, o grande negócio favorecerá apenas empresas de fora do estado e internacionais, como a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), Camargo Corrêa, Norsh Hydro, Cargil, Russian Highways, VLI Multimodal S.A, Glencore, Siemens, Ecovias, Construcap Engenharia, e lógico, a Vale. O desenvolvimento tem como meta carregar para os outros estados e países os recursos naturais de Barcarena, Marabá e Abaetetuba bem como destruir os quilombos locais sem voz nem piedade, a construção da obra vem sendo denunciada por quilombolas, indígenas, camponeses, entre outras lideranças da região.

CONTRAPONTO NECESSÁRIO
Para contrapor os objetivos do governo, a Fase Amazônia, Faor, MapSocial e Getttam da UFPA, Defensoria pública do estado do Pará e outras organizações promoveram entre os dias 18 á 27 de outubro na sala 12 do bloco KP- campus profissional da UFPA/Belém um curso de capacitação de lideranças e sujeitos políticos da sociedade civil para criarem o protocolo de consulta prévia às comunidades tradicionais sobre informações de empreendimentos e impactos ambientais de acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do trabalho. A ideia é contribuir na formação de representantes comunitários para atuarem como multiplicadores e fortalecedores das lutas sociais.
O desenvolvimento que dispõe sobre de norte a sul o estado do Pará irá afetar diretamente cerca de 25 mil pessoas trazendo consigo mudanças de hábitos de vidas, remoção forçada de moradores além da falta de segurança dentro das comunidades tradicionais e sem contar nos impactos ambientais alastrantes. 

VOZES DO QUILOMBO EM DEFESA DOS DIREITOS QUILOMBOLAS
Acreditando na comunicação como estratégia de emancipação e afirmação no território e diante dessa vontade e modernidade arbitrária e sobretudo danosa, onde querem atravessar os territórios e direitos sociais sem nem ouvir os moradores,  a organização Fase Amazônia através do Projeto Social ‘Fala Juventude’ e em parceria com o educador e Marquinho Mota ativista do Fórum da Amazônia Oriental- FAOR e as integrantes da Agência de Notícias Jovens Consumidores da Amazônia,  Marinéia Ferreira e Paloma Melissa, facilitaram a oficina de direitos territoriais e rádio comunitária assim também a implantação da rádio comunitária cujo nome foi dado como “Vozes do Quilombo” dentro das comunidades quilombolas Laranjituba e África, tendo o objetivo possibilitar aos moradores em relação suas pautas e também ao uso alternativo de formas para denunciar a construção da ferrovia e outros empreendimentos ilegais.

Aldebaran Moura, educadora da Fase Amazônia, durante a oficna

Infelizmente, tudo o que consumimos é fruto de mão-de-obra escravagista. O dito desenvolvimento da mineração e logística não são as soluções para diminuir os problemas sociais e ambientais, pelo contrário, só reforça ainda mais as desigualdades entre raças e classes. Por isso os quilombolas são contra a existência da ferrovia, pois segundo o jovem Ivanildo Cardoso da comunidade África “quando a ferrovia  passar, o povo vai sofrer muito porque entorno dela virá mais exploração e problemas de poluição de rios e do ar”, finaliza.

Ignorar aquilo que a população realmente necessita e luta para conseguir, é uma forma massiva e simbólica de matá-la, como afirma a moradora do quilombo Laranjituba, Regina Moraes “estamos morrendo aos poucos com essa possibilidade. É triste ver que essa modernidade vai nos oprimir mais ainda, e sem contar que os problemas de saúde vão aumentar por conta desse grande desenvolvimento.”

As comunidades tradicionais querem sim o desenvolvimento, mas não do jeito esmagador como tentam empurrar goela abaixo, um empreendimento em que visa somente o lucro dos seus pares, empobrecer os solos da Amazônia, segregar territórios e negociar direitos do povo não pode ser considerado um bom negócio, portanto, as comunidades que aqui existem e resistem vão continuar lutando e resistindo em nome do chão que pisa porque direito não pode ser moeda de troca e sim conquista.

* Articuladora jovem da agência de notícias, estudante do curso técnico em Vigilância em Saúde e integrante da Rede de Mulheres Negras.
** Articuladora jovem da agência de notícias e estudante de Serviço Social.

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

TELA FIRME: É NÓS NA TELA

Grande coleta de Emaús | reprodução facebook

Por Alexandre Soares *
Paloma Melissa **

O Tela Firme é um coletivo que inicia seu trabalho no ano de 2014, com a iniciativa da necessidade que os componentes têm em mudar a forma como o lugar é visto e mencionado nos grandes veículos de comunicação de massa, que em sua maioria, através das matérias divulgadas, criminalizam o bairro e seus moradores, o que acaba criando estereótipos de um espaço violento.

Segundo a membro Tela Firme, Ingrid Louzeiro, a princípio era um canal comunitário na internet que passava informação para visibilizar o bairro da terra firme “Nosso primeiro objetivo foi transformar aquele pensamento que ‘só mora bandido, ladrão e tal’. Daí resolvemos mostrar que a situação não é assim, que na terra firme existem várias pessoas trabalhadoras, estudantes e muita cultura, ou seja, desmitificar esse pensamento. E transformamos um projeto audiovisual em um coletivo de mídia”, conta Ingrid.

Por meio de produção audiovisual, o coletivo Tela Firme veicula seu material através das redes sociais (YouTube e Facebook), com o intuito de mostrar o que há de bom, os valores da periferia e está em sintonia com os diversos movimentos sociais que atuam na defesa da vida e dos direitos humanos. 
reprodução facebook

Outra ação são as parcerias que o coletivo tem com os movimentos sociais, como a UNIPOP (Instituto Universidade Popular), a Escola de Conselhos da Universidade Federal do Pará, UNICEF e articulações com várias instituições do bairro da Terra Firme.


Com essas parcerias o Tela Firme consegue apoio para suas produções, como resultado prático a produção do vídeo sobre o Grito dos Excluídos em 2014, a cobertura do ato público contra o tráfico humano organizado pela Comissão Justiça e Paz da CNBB Norte 2 em julho de 2014, e um mini documentário intitulado “Poderia Ter Sido Você”, que abordou o extermínio de jovens retratando quatro chacinas ocorridas entre os anos 1994 e 2014 na região metropolitana de Belém. 

De acordo com Francisco Batista, membro e fundador do Tela Firme, o vídeo “Poderia Ter Sido Você” foi o posicionamento do jovens do coletivo contra as ocorrentes chacinas cometidas. “Pensamos nesse material, no vídeo, justamente para nos posicionar com relação à chacina de 2014. Fizemos o vídeo e resolvemos não expor as pessoas, familiares das vítimas, mas sim, nos colocar na condição de vítima e pegamos desde a chacina do Tapanã até a de 2014”, relata Francisco.

reprodução facebook

Em 2015 o Tela Firme ganhou a comenda “Paulo Frota” de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Pará pela atuação na defesa dos direitos humanos em especial com a produção do mini documentário “Poderia Ter Sido Você”.

* Articulador jovem da agência de notícias e estudante de jornalismo.
** Articuladora jovem da agência de notícias, estudante de Serviço Social e voluntária do Movimento Republica de Emaús.


quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Sobre vidas negras, por Maynara Santana

Durante a audiência publica realizada na Terra Firme na noite do dia 19 de setembro, a jovem ativista negra Maynara Santana, estudante de nutrição e integrante do Coletivo de Juventude Negra do Cedenpa, fez a leitura de uma carta em que nela a jovem fala sobre o sentido de sua existência enquanto mulher negra, uma carta carregada de afeto e respeito por seus pares, jovens negros/as da periferia que existem e resistem diariamente.

Confira!

Foto: Paloma Melissa

Hoje pela manhã pensei no assunto que passeia sobre a minha existência: Extermínio da Juventude Negra. Estávamos eu e meu companheiro, falando sobre como a insegurança te priva de viver, conversávamos sobre o momento de agora, esta noite. Sobre a minha vivência enquanto mulher preta, vinte e cinco anos, com um pé para fora da universidade, dona do próprio negócio, cercada de privilégios, mas que também cresceu em uma periferia da cidade, e sabe qual é o papo desse lugar! E SABE! SABE ESTRUTURALMENTE FALANDO! Consegue se ler dentro dessa hierarquia de poder onde o Estado mata preto todo dia! Onde vidas negras são números, dígitos, alguns poucos deles, me refiro a valor. Mas o que é mesmo valor? Valor, dentro dessa sociedade capitalista é algo que eu quantifico! A Deusa Elza (Soares) é muito pontual quando canta: A carne mais barata do mercado é a carne negra! Enquanto escrevo isso sinto meus dedos pesarem de maneira que somente este tema faz pesar. Ouço meninos pretos conversando em minha cozinha. Um é bicha preta, afeminado, ousado! O Richard é um alvo gigante certeiro para essa sociedade que odeia e tem como doente uma pessoa que aceita amar quem Ela quiser. Que odeia, mais ainda, “bicha preta”, afeminada, e que sabe exatamente o valor que tem mesmo a sociedade lhe ridicularizando e silenciando suas vivências todos os dias.
O outro é um menino lindo, morador do Guamá. E quando eu falo da beleza do Black eu me permito falar sobre estética preta! O quanto é resistência, o quanto é demarcadora e representativa! é como se nós conseguíssemos ver a possibilidade do nosso sucesso no outro. Entendeu como é  importante ressaltarmos a beleza, não tão somente a beleza mas as qualidades dos nossos pares? Como é importante sentir-se pleno em uma sociedade que todos os dias nos diz que não existe beleza, criatividade, inteligência, engenhosidade em absolutamente nada que o povo escravizado da África trouxe para esse continente.
Imagina, se nós soubéssemos dos reinos, palácios, tecnologias, culturas e línguas criadas por africanos! Imagina se nós soubéssemos que África é um continente!? Rico em tudo! Estou falando de absolutamente tudo mesmo! África, berço do mundo! Continente que o homem branco europeu, na sua corrida para dominar o mundo, espoliou, traficou, desumanizou e transformou em mão de obra escrava num país do outro lado do mundo.
Imagina só, você do outro lado do mundo, objeto de homens soberbos que se acham (até hoje) donos do mundo inteiro, que não se importam em construir suas riquezas tendo como solo milhares de corpos e rios de sangue de homens, mulheres e crianças que durante séculos sofreram uma das piores  violações já submetidas à humanidade: A escravidão humana dos africanos!
O genocídio do jovem negro passa a ter um peso ainda maior quando visto do espectro da história não é mesmo? Soa como algo planejado, arquitetado, caso pronto, feito, crime perfeito orquestrado pelo maestro mais cruel de todos os tempos: O RACISMO!


Maynara Santana